Conflitos do casal régio

D. João VI e d. Carlota Joaquina,
por Manuel Dias de Oliveira
Após a viagem de 1808, as intrigas sobre a vida do casal real logo se tornam um dos assuntos preferidos do Rio de Janeiro. O príncipe regente d. João e sua esposa d. Carlota Joaquina entendem-se mal e brigam sem parar. Cada um tem seus seguidores, que cultivam uma imagem pouco lisonjeira do outro – entre outras coisas porque, assim que chegam ao Brasil, o príncipe regente e sua mulher empenham-se em complicada disputa política.
D. Carlota Joaquina é irmã de Fernando VII, rei espanhol da família Bourbon, cuja deposição por Napoleão Bonaparte em 1807 assinala a derrocada do império colonial espanhol. A partir de 1810, nas colônias americanas, começam as proclamações de independência, não tanto por organização própria mas devido à precariedade da situação em Madri.
Mal d. Carlota Joaquina põe os pés no Rio de Janeiro, emissários de Buenos Aires lhe propõem um plano ousado: proclamar-se ela mesma herdeira das terras espanholas, para ali estabelecer um grande império sul-americano que iria da Califórnia à Patagônia. Ela se interessa pela idéia, quando menos para incomodar seu real marido. As brigas entre os dois haviam começado na própria noite de núpcias, quando ela agrediu com um castiçal o marido que tentava consumar o casamento. Dali em diante, tornam-se adversários ferrenhos. Para os partidários da rainha, o regente não passa de um soberano de comédia, gordo, néscio e carola, joguete das gentes e dos acontecimentos, cuja reação mais comum às pressões é mordiscar uma coxa de frango tirada do bolso da casaca. Nesta versão, a rainha é uma mulher corajosa, que nunca se rebaixaria a abandonar seu reino, preferindo morrer a fugir. É uma mulher decidida e corajosa. Desesperada com o casamento tão infeliz, responde a tudo com altaneria. Se manda chicotear passantes que não a reverenciam quando passa com seu cortejo, é porque, ao contrário do marido, preocupa-se em manter a autoridade e a dignidade da monarquia. Se tem amantes, é porque só fora do casamento encontra o que o marido não lhe dá. Se quer um papel político e o comando das colônias, é para mostrar o quanto ama seus súditos.
Para os partidários de d. João, a hesitação do regente, sua obstinação em “não ver” o que ocorre em torno, e a aparente ligeireza com que trata os símbolos da nobreza são antes esperteza do que defeitos. Muito de sua lerdeza deve-se à impossibilidade de decidir diante de maiores poderes, situações irreversíveis e rotinas inabaláveis. Não ver o deboche, a corrupção e a inércia à sua volta é a única forma de sobreviver num reino selvagem e naquela corte arrepiada de apreensão e despeito. Ele é um soberano à altura de seu tempo, cuja astúcia lhe permite sobreviver numa situação extrema. A própria mudança para o Brasil é a prova maior de sua grande visão: entregou o anel, mas salvou os dedos, a coroa e a cabeça, ao passo que os orgulhosos soberanos espanhóis mofam no cárcere. Já a rainha, para os partidários do rei, é colérica, desabrida, ambiciosa e voluntariosa. Uma devassa que, mal chegada ao Rio de Janeiro, torna-se amante de um conhecido traficante de escravos.
Para completar o quadro que favorece as intrigas, o príncipe e sua mulher moram em cantos opostos da cidade. Enquanto d. João se estabelece em São Cristóvão, no extremo norte da capital, d. Carlota vai morar em Botafogo, no sul. Cada qual recebe, em seu palácio, emissários e embaixadores, e procura implementar políticas distintas na região do Prata. A rede de intrigas está armada. Cabe à rainha as primeiras iniciativas. Em 1813 contrata uma espécie de secretário, José Presas, que faz contatos, leva e traz dinheiro, intriga. Para dar suporte militar a seu projeto, torna-se amante do comandante das forças navais inglesas, o almirante Sidney Smith. Seu plano é ousado: obter autorização do marido, viajar para Buenos Aires sob a proteção da marinha inglesa e assumir seu reino com apoio dos fiéis aos Bourbon.
O rei recorre então ao seu maquiavelismo. Faz-se de cego às iniciativas da rainha enquanto julga que contribuem para dividir os espanhóis, e ao mesmo tempo acompanha o movimento dos grupos políticos em que se dividem as colônias do Prata. Em 1815, d. João encontra seu caminho. Os dirigentes municipais de Montevidéu fazem-lhe um apelo: veriam com bons olhos uma ajuda militar para enfrentar os republicanos. É a peça que falta para d. João liquidar os planos da esposa: exige e consegue do embaixador inglês, contrário à invasão, o afastamento do almirante-amante, expulsa os auxiliares espanhóis e prepara o plano de ataque.
« anterior   próxima »
Página 4 de 6

4.124 registros
7.059 páginas de manuscritos
3.119 páginas de impressos

Busca
todos os
documentos
documentos DE   José Bonifácio
textos SOBRE
José Bonifácio
 
 
 

Página Inicial | Neste site | Pesquisa | Cronologia | De A a Z | Bonifrases | Mapa das viagens
Principais obras | Bibliografias | Genealogia | Ficha técnica | Termo de uso

© 2006 Mameluco Produções Artisticas. Todos direitos reservados.