Monarquia constitucional

A obra política central de José Bonifácio, desde o momento em que é nomeado ministro, em janeiro de 1822, é marcada pela busca de um acordo pelo qual o Brasil adotaria a forma política de uma monarquia constitucional. No momento em que inicia as negociações para consolidar a idéia, muitos fatores jogam contra ela. O primeiro deles são as crenças pregressas do próprio ministro, que em vários escritos se posicionara contra as assembléias representativas. Já o príncipe regente, embora favorável em tese à idéia de uma Constituição, não demonstra qualquer entusiasmo pelo convívio com os liberais radicais. Estes, por sua vez, são inimigos do despotismo e adversários radicais do poder tradicional.
O acordo entre partes tão diversas é negociado pelo ministro tendo como horizonte apenas o previsível cenário de conflitos após a Independência: destina-se a formar o que José Bonifácio chama de “um centro de força” capaz de vencer o primeiro desafio. Nem mesmo ele tem certeza de que a união negociada será útil a longo prazo. Os primeiros eventos após o 7 de setembro parecem indicar a pouca solidez do projeto. Já em meio às primeiras festas da Independência eclodem as disputas entre o imperador e os liberais, que se tornam explícitas no início do funcionamento da Assembléia Constituinte, e prosseguem com o exílio de José Bonifácio, até desembocarem no fechamento do Parlamento e na outorga da primeira Constituição.
Curiosamente, a idéia precária de um acordo entre um monarca com forte acento absolutista e liberais de tendências republicanas sobrevive aos primeiros choques provocados pelo avanço de d. Pedro I. A Constituição prevê um Parlamento, e ele é instalado em 1826.
Mas os conflitos entre as partes voltam a ocorrer. Os eleitos lutam para que o Parlamento exerça a função básica de controle sobre os atos do executivo. Os deputados começam pedindo relatórios aos ministros, que no início desconsideram tal exigência. Em seguida insistem na convocação dos ministros ao Parlamento, para prestarem esclarecimentos. A segunda legislatura, iniciada em 1830, marca um novo avanço da opinião liberal, que se vê reforçada em termos numéricos. Ganha força a idéia de que o governo deve ser expressão da vontade da maioria parlamentar. Tal idéia é intolerável para d. Pedro, para quem o governo deve emanar, antes de mais nada, de sua própria vontade. Às reivindicações liberais vem se juntar a questão nativista, engrossando a oposição ao imperador – cada vez mais identificado com os portugueses e o absolutismo – e gerando uma crise que culminaria em sua abdicação.
Mas, do mesmo modo que o fechamento da primeira Constituinte não permitira o domínio dos absolutistas sobre o Estado, também o domínio completo do Parlamento – que se torna o único poder de fato no país após o 7 de abril – esmaece após a edição do Ato Adicional de 1834, em meio aos motins conservadores e às revoltas regenciais. Lentamente, os próprios parlamentares vão criando mecanismos para dar mais força ao executivo, a começar pela eleição de Diogo Antônio Feijó como regente único, em 1835, e terminando com a precoce maioridade de d. Pedro II em 1840.
A partir daí começa o período de relativo equilíbrio entre as duas partes. Ao contrário do pai, que pensava em arbítrio, o jovem imperador interpreta o poder moderador como uma forma de parlamentarismo, algo que não está escrito na Constituição. Passa a escolher ministros apenas entre os parlamentares, e a deixar por conta de suas lideranças a formação dos gabinetes. E o sistema passa a funcionar, conforme descreve Joaquim Nabuco: “Antes de tudo, o reinado é o imperador. Decerto ele não governa diretamente e por si mesmo, cinge-se à Constituição e às formas do sistema parlamentar; mas só ele é o árbitro de vez de cada partido e de cada estadista, e como está em suas mãos o poder de fazer e desfazer os ministérios, o poder é praticamente dele”.
Assim o acordo se impõe ao longo de grandes testes históricos. Acordo aparentemente esdrúxulo, entre um monarca que simboliza a permanência do Antigo Regime, da tradição como fonte do poder e do arbítrio estatal como método de governo, e um Parlamento moldado pelas idéias do iluminismo, com poder fundado na representação, tendo a vontade coletiva como fonte e o domínio da lei racional como método de governo. A eficácia desta peculiar variante de monarquia constitucional dependia do uso do poder moderador – a invenção que d. Pedro I agregou às idéias de José Bonifácio, o autor maior do projeto.
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